quarta-feira, 23 de março de 2011

Em construção


O desejo de ser exatamente aquilo que ela entendia que era aumentava muito dentro dela. Subiu a escada do ônibus com grande alegria de existir naquele momento em que sabia que a partir daquela porta para dentro, seu mundo estaria pelo menos dois passos de seus sonhos. Eram apenas dois passos, ela sabia, mas também eram dois passos a menos nesta estrada enorme chamada vida!

Sentou na poltrona que avistava as curvas, os carros, as linhas retas e pensava sempre dentro dela mesma – que bom é andar para frente, mesmo quando a busca são de coisas que deixamos para trás!

Vozes, rádios, buzinas, muitas pernas e muitos braços se mesclam com despedidas e encontros. Todo o cenário é bonito porque exala existência.

No táxi entrou com olhos largos, sorriu com lábios poucos, sentou com a alma inquieta e sonhou o sonho próximo.

Caminhou as ruas que nunca andou, sentiu no ar as reflexões de todas as ordens: da física, quântica, da anatomia, das reflexões de Shumpeter, dos poemas de Pessoa, das equações matemáticas, das legislações e das metafísicas. Na verdade, sentiu nestas ruas e nestes prédios um grande cheiro de novo e de antigo criando um aroma típico de tudo que ela buscava.

Seguia em direção aos gregos, modernos e contemporâneos. Seguiu mais um pouco e se deparou com Descartes e Merleau-Ponty. Sentiu uma alegria quase plena dentro do peito. Sabia que era preciso estar ali desde muito tempo para dialogar as dores, as inquietações que a vida ordinária não a deixa pensar e apresentar. Sentiu existindo...

Pensou conceitos já sedimentados, mas ali, naquela sala, apenas nus de sentidos. Pensou o corpo, pensou a arte, pensou a vida, pensou a morte! Sentiu novamente outra alegria quase plena. Afinal, se sentiu corajosa por estar ali, em plena terça-feira, vivendo uma vida que é preciso ser dela.

Precisou voltar... Caminhar as mesmas ruas, seguir o inverso de todo o trajeto que fez algumas horas antes.

Voltou sem bagagem nas mãos. Voltou com mais fantasmas residindo no sótão da casa dentro dela. Voltou feliz com os passos dados. Voltou pensando até mesmo que já é momento de pensar em amar.

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