terça-feira, 17 de junho de 2014

Ensaio sobre ela





E quase todos os dias são assim, entre uma noite e outra, na dimensão exata do dia, ela se tranca no quarto para tentar ser. E como se é?  Como se faz para ser sendo? Nascer para dentro dói mais que explodir para a imensidão da vida aqui fora. Dói rever sonhos que foram abortados ou que cresceram sem estímulo algum para se tornar real.

Enquanto toca a música de Cícero no computador, ela tenta ser. Difícil tarefa estar naquele invólucro. Por baixo da derme e epiderme, os vasos sanguíneos sentem falta de flores. Enquanto o despertador toca, ela sente necessidade de cantar bem alto para abafar o silêncio que insiste em crescer dentro dela.

Ela não anda na corda bamba da angústia, nem caminha nas trilhas da tristeza. Apenas descobriu que autenticidade não combina com a cor da saia que ela acaba de comprar e que tentar ser ultrapassa alguns verbos diários.

E, por isso, exatamente, no quarto ela tenta ser.

E quase todos os dias são assim, entre uma noite e outra, na dimensão exata da sua lucidez ela se tranca no quarto para tentar ser. E como se é? Viver dói tanto pra dentro quando para fora. Mas, ela segue a atitude de tentar ser e tem certeza que dor não combina com amargura. 

Tentar ser é esperança sempre. 

E, por isso, quase todos os dias, entre um dia e uma noite, entre um sonho e uma realização, entre o amor e o trabalho, entre passos largos, entre poemas, entre sorrisos e alegrias, ela é.