
E quase todos os dias são assim,
entre uma noite e outra, na dimensão exata do dia, ela se tranca no quarto para
tentar ser. E como se é? Como se faz
para ser sendo? Nascer para dentro dói mais que explodir para a imensidão da
vida aqui fora. Dói rever sonhos que foram abortados ou que cresceram sem
estímulo algum para se tornar real.
Enquanto toca a música de Cícero
no computador, ela tenta ser. Difícil tarefa estar naquele invólucro. Por baixo
da derme e epiderme, os vasos sanguíneos sentem falta de flores. Enquanto o
despertador toca, ela sente necessidade de cantar bem alto para abafar o
silêncio que insiste em crescer dentro dela.
Ela não anda na corda bamba da
angústia, nem caminha nas trilhas da tristeza. Apenas descobriu que
autenticidade não combina com a cor da saia que ela acaba de comprar e que
tentar ser ultrapassa alguns verbos diários.
E, por isso, exatamente, no
quarto ela tenta ser.
E quase todos os dias são assim,
entre uma noite e outra, na dimensão exata da sua lucidez ela se tranca no
quarto para tentar ser. E como se é? Viver dói tanto pra dentro quando para
fora. Mas, ela segue a atitude de tentar ser e tem certeza que dor não combina
com amargura.
Tentar ser é esperança sempre.
E, por isso, quase todos os dias, entre um dia e uma noite, entre um sonho e uma realização, entre o amor e o trabalho, entre passos largos, entre poemas, entre sorrisos e alegrias, ela é.